"Santas as visões, santas as alucinações, santos os milagres, santo o globo ocular, santo o abismo." (Allen Ginsberg)

29.1.09

Acossado



Eu existo só porque eu existo ou eu tenho alguma finalidade maior? Eu sou algo além de passar os meus dedos indicadores todos, com força, em meus lábios? Galar o galã, anti-herói e protagonista-coadjuvante quase em traje de gala. Galar com volúpia. Um flerte. Quase elegante. Quase galante. Quase a rigor. Disfarçar um flerte? Em voz alta: New York Tribune! New York Tribune! Quem grita em meio aos passantes é sonhador. Tenta seduzir. Seduzir quem? Seduzir alguém? Alguém que esteja do outro lado da câmera. Belo mundo. Tudo é um caos. Tudo é caos. Numa primeira impressão... Já numa segunda visita ao cinema tudo se torna mais claro e menos sincero. Então... os filmes só são realmente apresentados por inteiro quando vistos pela primeira vez! Ficam em nossa memória meio remotos, como sonhos mal acabados. Meio lembrados. Depois já se sabe o final. O crime é o próprio castigo? Eu não sei de tudo. Tudo é caos. Esgota-se como quem vai dormir a noite depois de um dia fatigante.... Eu nunca consegui direito. Para mim, as noites é que são fatigantes. A menos que eu esteja no escuro iluminado pela tela! Então é isto? Só vivo realmente observando a ficção de dentro de uma sala de cinema? Para quê a gente vive? Eu vivo de observação? Só isto? E a prática? Que fique com as pessoas que me lerem... É uma postura muito cômoda a minha, não é mesmo? Me ouvirão os que me lerem? Minha voz ecoará nos corações destes? Pelo quê a gente morre? De tanto viver? Eu quero isto... viver demais! Não quero muita grana, não quero fama. O momento de ter prazer talvez seja a forma mais eficiente/fugaz de me aproximar do ideal da liberdade plena. O sufoco de brincar debaixo dos lençóis, o sufoco de acender um cigarro na guimba de outro cigarro que quase se acabou de fumar, o fogo do outro continua neste - um cigarrão a la Genet, só para a rima não ficar pobre -, o sufoco da perseguição final, até quase não aguentar, até que se caia na rua. As caretas finais - fascínio, espanto, descontentamento. As caretas finais ensaiadas durante a vida até quase à exaustão. Os meus dedos sobre os meus lábios grossos - aprendi olhando muito uma foto de um astro do cinema. Alegria extrema, perseguição implacável, desfecho quase inevitável. C'est fini?



imagem . À Bout de Souffle, de Jean-Luc Godard, França, 1960
texto . matheus matheus

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6.1.09

Azulescuroquasenegro

Impossível deixar de ser o que se é, apesar das pressões. Impossível não absorver um pouco das pressões - esforçar-se para não deixar-se bloquear por elas. Impossível tornar-se algo que não se é. Eu tenho que impôr àquilo que está ao meu redor o que sou? "Traduzir uma parte noutra, que é uma questão de vida ou morte." Senão o meio me engole e abafa meu infinito. Eu tenho que dar conta de lidar com isto com muita calma. Do contrário, piro de vez. Não pirar de vez. "Bactéria num meio é cultura."
imagem . Azuloescurocasinegro, de Daniel Sánchez Arévalo, Espanha, 2006
texto . Matheus Matheus, com citação de Traduzir-se de Ferreira Gullar e Cultura de Arnaldo Antunes

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