"Santas as visões, santas as alucinações, santos os milagres, santo o globo ocular, santo o abismo." (Allen Ginsberg)

22.2.10

Querô

pariu cuspiu expeliu um deus um bicho um homem brotou alguém algum ninguém o quê? a quem? surgiu vagiu sumiu escapuliu no som no sonho somem são cem são mil são cem mil milhão do mal do bem lá vem um olhos vazios de mata escura e mar azul ai, dói no peito aparição assim vai na alvorada-manhã sai do mamilo marrom o leite doce e sal tchau, mamãe, valeu cresceu vingou permaneceu aprendeu nas bordas da favela mandou julgou condenou salvou executou soltou prendeu colheu esticou encolheu matou furou fodeu até ficar sem gosto ganhou reganhou bateu levou mamãe perdeu perdeu perdeu céu mar e mata mortos da luz desse olhar antes assim do que viver pequeno e bom não, diz isso não, diz isso não a conta é outra tem que dar, tem que dar foi mal, papai, anoiteceu brilhou piscou bruxuleou ardeu resplandeceu a nave da cidade o sol se pôs depois nasceu e nada aconteceu

imagem . Querô, de Carlos Cortez, baseado na obra de Plínio Marcos, trilha sonora de André Abujamra, 88 min, Brazil, 2007
letra . Perdeu, de Caetano Veloso, Zii e Zie, Brazil, 2009

19.2.10

Entrevista de Fellini

"O filme se desenvolve em outra direção e você percebe que certas cenas e personagens não pertencem mais à história."

imagens e frases . Intervista, de Federico Fellini, Itália, 1989

18.2.10

Doces Bárbaros

Com amor no coração Preparamos a invasão Cheios de felicidade Entramos na cidade amada Peixe Espada, peixe luz Doce bárbaro Jesus Sabe bem quem né otário Peixe no aquário nada
Com a espada de Ogum E a benção de Olorum Com um raio de Iansã Rasgamos a manhã vermelha Tudo ainda é tal e qual E no entanto nada igual Nós cantamos de verdade E é sempre outra cidade velha
Alto astral Altas transas Lindas canções
Afoxés Astronaves Aves Cordões Avançando através dos grossos portões Nossos planos são muito bons
letra . Os Mais Doces Bárbaros, de Caetano Veloso imagem . Os Doces Bárbaros, de Jon Tob Azulay, BraZil, 1977

11.2.10

Satyricon de Fellini

Dar vazão à pouca não-civilização que nos resta, à loucura inerente a ser, à loucura inerente ao ser. Dançar, rir, sentir prazer. Nestes dias meio estranhos, não fingir - os deuses quase todos presos no porão. Nestas horas, não mentir - já que sirvo à Baco o ano inteiro, posso tirar uma folguinha da folia. Arrotar a vontade. Bel ami, belprazer. Montado de cavalinho na vida. Ira e luxúria são meus pecados favoritas. Ah... vida, comédia infinita. De erros, de berros, de sarros. Os vapores que fazem bem para à pele. Nem vou pedir desculpas por não ter nada muito puro em mim - eu sou assim, quem quiser gostar... Uma bela música, que rufem os tambores e desate este chorar inesgotável. Me contorcer num canto que é de zumbido. Aproveito a vida enquanto posso: mesmo se todos os poetas verdadeiros morrerem, ainda restará a poesia por aí.
texto . matheus matheus

10.2.10

O Desprezo


Se minha presença trouxer desgosto, minhas letras brutas no plano sempre cumprirão seu papel: desvelar extremo bom gosto. Eis-me aqui, então, como sempre deveria ter sido. Eremita do segundo andar em diante, para cima. Em silêncio, escrevendo, envolvido pela quietude cheia de movimento e sombra do claroescuro da noite de concreto. Vezenquando me apresento meio amargo, bem sei, não nego. Radicalista das sutilezas mais remotas que sou, me resguardo no direito de só delatar o meu mel na solidão. O meu veneno destilo a quem quiser beber. Depois caio, flácido que sou, inesperadamente. Mas minhas quedas não dizem respeito a ninguém que não seja eu mesmo. Escrevo por elegância e desprezo, aquele mesmo da Bardot, do Godard, do Truffaut - o melhor amor possível de haver em mim.


texto . Poema em Prosa da Madruga, de Matheus Matheus
imagens . Jean-Luc Godard, Brigitte Bardot e Michell Piccoli no set de filmagem de Le Mépris, de Jean-Luc Godard, França/Itália, 1963

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8.2.10

Casanova de Fellini

Eis o portador dos mais bem aventurados dotes. Eis o venturoso guardião-mor da dança do tira-bota. Não bastasse toda esta virilidade que dele exala continuamente, também é cortês, culto e bem-educado. Só não lhe solicitem fidelidade, é aventureiro. Paixão sim, e muita, que transborda incessante. Não seca jamais. Não é para reprodução. É por prazer, sem pudor, sem meias-palavras. Aliás, sem palavras - só grunhidos onomatopéicos de gozo sem dose. É o Casanova, não é qualquer um. É o Casanova, sobretudo, do Fellini texto . Matheus Matheus imagem . Il Casanova de Federico Fellini, de Federico Fellini, Itália, 1976

5.2.10

Delicatessen

Maquiado, abro graciosa caixa de guloseimas, como se fosse de música, e sugiro:
- Escolha tudo o que lhe apraz. Mas não se esqueça que debaixo do chão em que pisamos existe todo um submundo vertiginoso de seres malcheirosos que se alimentam dos detritos que produzimos. Podridão, dejetos... Apesar disto, não deixe que esta informação crua lhe abale o degustar. Seja suave, baby, sem se esquecer da aspereza - que esta é mais densa e mais intensa. Quando acabar de engolir todo açúcar, comece a tocar seu violino que eu a acompanho com meu serrote. Eu espero.
texto . matheus matheus
imagem . Delicatessen, de Jean Pierre Jeunet, França, 1991