"Santas as visões, santas as alucinações, santos os milagres, santo o globo ocular, santo o abismo." (Allen Ginsberg)

24.11.09

Hotel Atlântico

Você é um desocupado. Você não passa de um desocupado. Um desocupado. É você! Filho da puta sem mãe é você. Tá vendo este tremor nas minhas mãos? Bebida. Bebida a noite inteira. Farra, muita farra. A noite inteira. É que eu sou alcoólatra. Fim do dia me deixa triste. Tenho que beber minha “caçacha” pra esquecer de lembrar de minhas dores. Homens mijando na beira da estrada. Três. Tudo que há. O que é que vem a ser getoutzinho? Você sabe, daquelas coisas que se ouve em filme norte americano. Get out, get out mothafucker. Get out, getoutzinho. Manchas de sangue no chão. Fuga alucinada. Pouso de simplicidade. Padre Anselmo faleceu com 88 anos, saúde de ferro. Macabéa punha muito açúcar no café porque era de graça e se podia colocar a vontade – ela achava que só pagava pelo café (amargo), não pelo açúcar (doce). A freirinha e o figo – pipocas caídas entre longos varais com grandes lençóis neles estendidos. Se o padre levantar a batina... Extrema unção, epilepsia, convulsão. Balançode rede. Tomar banho e em seguida cair de cara na lama de um curral abandonado. Atropelado por uma viatura – pior se fosse por um carro funerário. Mais uma vez Macabéa, a toda-iludida, a sonhadora: toma, a vida é isso. A vida real não é conto de fadas. Pode ser um conto de fardas, um conto de merda – torta na cara, bala no peito. Vai dar tudo certo, vai dar tudo certo, tudo vai ficar bem. Só não sei... sei lá. Fisgada no membro que já perdi. Atômica laranja mecânica atônita. À toa. Sucesso para que? Eu queria mas era andar, tô sem um pedaço de mim. Comício de tudo. Transpirar, ofegar, na capela. Não dá, não dá. Desculpa. Me perdoa? Me perdoa? Cair assim feito uma laranja podre não é bom pra ninguém. Onde tem uma vontade, tem um caminho. Certo é o que é e pronto. Nunca vi o mar, mas dizem que não tem fim. Que ter até tem, que para os seus olhos ele chega ao fim, mas continua depois. Não acaba nunca porque onde ele acabaria é o começo de outro, o porto. Ou a volta. Também dizque o mar é cada dia dum jeito, duma cor. Vamos ver o mar. Não morre ainda. Vamos ver. Não tem fim. Você até acha que acaba, você vê que acaba – mas é ilusão óptica. Continua. Não acaba nunca.
imagem A . Suzana Amaral nas gravações de A Hora da Estrela
imagens B, C e D . Hotel Atlântico, de Suzana Amaral, Brazil, 2009 texto . Hotel Atlântico, de João Gilberto Noll / A Hora da Estrela, de Clarice Lispector remix século XXI . Matheus Matheus

Marcadores:

16.11.09

O Grupo Baader-Meinhof

I "Protesto é quando eu digo que não concordo com uma coisa. Resistência é quando faço com que coisas das quais eu discordo não aconteçam mais."
II
A violência é tão fascinante E nossas vidas são tão normais Você passa de noite e sempre vê Apartamentos acesos Tudo parece ser tão real Mas você viu esse filme também. Andando nas ruas Pensei que podia ouvir Alguém me chamando Dizendo meu nome. E essa justiça desafinada É tão humana e tão errada Nós assistimos à MTV também Qual é a diferença? Não estatize meus sentimentos Pra seu governo, O meu estado é independente.
Já estou cheio de me sentir vazio Meu corpo é quente e estou sentindo frio Todo mundo sabe e ninguém quer mais saber Afinal, amar o próximo é tão demodé.
imagem . Der Baader Meinhof Komplex, de Uli Edel, República Tcheca/França/Alemanha, 2008 texto I . Ulrike Meinhof
texto II . Baader-Meinhof Blues, da Legião Urbana