"Santas as visões, santas as alucinações, santos os milagres, santo o globo ocular, santo o abismo." (Allen Ginsberg)

29.4.09

A Insustentável Leveza do ser

A LEVEZA E O PESO
"Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso o que faz com que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo "esboço", não é a palavra certa, porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro."
A ALMA E O CORPO
"O homem inconscientemente compõe sua vida segundo as leis da beleza, mesmo nos instantes do mais profundo desespero."
AS PALAVRAS INCOMPREENDIDAS
[Viver dentro da verdade]
"Para Sabina, viver dentro da verdade, não mentir nem para si nem para os outros, só seria possível se vivêssemos sem público. Havendo uma única testemunha de nossos atos, adaptamo-nos de um jeito ou de outro aos olhos que nos observam, e nada mais do que fazemos é verdadeiro. Ter um público, pensar no público, é viver na mentira. "
A ALMA E O CORPO
", e os amores são como os impérios: desaparecendo a idéia sobre a qual foram construídos, morrem junto com ela."
A LEVEZA E O CORPO
"Àquilo que o "eu" tem de único se esconde exatamente naquilo que o ser humano tem de inimaginável. Só podemos imaginar aquilo que é idêntico em todos os seres humanos, aquilo que lhes é comum. O "eu" individual é aquilo que se distingue do geral, portanto aquilo que não se deixa advinhar nem calcular antecipadamente, aquilo que precisa ser desvelado, descoberto e conquistado junto ao outro."
"Ele nasceu dessa imagem. Como já disse, as personagens não nascem de um corpo materno, como os seres vivos, mas de uma situação, uma frase, uma metáfora que contém em embrião uma possibilidade humana fundamental que o autor imagina não ter sido ainda descoberta, ou sobre a qual nada ainda foi dito de essencial.
Mas não se diz sempre que o autor só pode falar de si mesmo?
Olhar o pático com angústia e não conseguir tomar uma decisão; ouvir o ruído obstinado de seu próprio ventre num momento de exaltação amorosa; trair e não poder parar na estrada tão bela das traições; levantar o punho no desfile da Grande Marcha; exibir seu humor diante dos gravadores escondidos pela polícia: eu próprio conheci e vivi todas essas situações; de nenhuma delas, no entanto, saiu a personagem que sou, eu mesmo, no meu curriculum vitae. As personagens de meu romance são minhas próprias possibilidades que não foram realizadas. É o qu me faz amá-las todas e temê-las ao mesmo tempo. Umas e outras atravessaram a fronteira que apenas me limitei a contornar. O que me atrai é essa fronteira que elas ultrapassaram (fronteira para além da qual termina o meu eu). Do outro lado começa o mistério que meu romance interroga. O romance não é uma confissão do autor, mas uma exploração do que é a vida humana na armadilha em que se transformou o mundo. Chega! Voltemos a Tomas."
A GRANDE MARCHA
"Pode a proximidade causar vertigem?
É claro que sim. Quando o pólo norte se aproximar do pólo sul a ponto de tocá-lo, o planeta desaparecerá e o homem ficará num vazio que o atordoará e o fará ceder à sedução da queda."
"Todos nós temos necessidade de ser olhados. Podemos ser classificados em quatro categorias, segundo o tipo de olhar sob o qual queremos viver.
A primeira procura o olhar de um número infinito de pessoas anônimas;
(...)
Na segunda categoria estão aqueles que não podem viver sem ser foco de numerosos olhos familiares.
(...)
Vem em seguida a terceira categoria, aqueles que têm necessidade de viver sob o olhar do ser amado.
(...)
Por fim, existe a quarta categoria, a mais rara, a daqueles que vivem sob o olhar imaginário dos ausentes. São os sonhadores."
O SORRISO DE KARÊNIN
"Tenho sempre diante dos olhos Tereza sentada num tronco, acariciando a cabeça de Karênin e pensando no desvio da humanidade. Ao mesmo tempo, surge para mim uma outra imagem: Nietzsche está saindo de um hotel em Turim. Vê diante de si um cavalo, e um cocheiro espancando-o com um chicote.Nietzsche se aproxima do cavalo, abraça-lhe o pescoço e, sob o olhar do cocheiro, explode em soluços.
Isso aconteceu em 1889, e Nietzsche já estava também distanciado dos homens."
"O horror é um choque, um instante de total cegueira. O horror é desprovido de qualquer traço de beleza. Só vemos a luz violenta do acontecimento desconhecido que esperamos. Ao contrário dele, a tristeza supõe o conhecimento."
fragmentos . Nesnesitelná lehkost bytí, de Milan Kundera, 1984
imagem . The Unbearable Lightness of Being, de Philip Kaufman, EUA, 1988

O Amor nos Tempos do Cólera

"Florentino Ariza se lembrou de uma frase que ouvira menino do médico da família, seu padrinho, a propósito da sua prisão de ventre crônica: "O mundo está dividido entre os que cagam bem e os que cagam mal." Sobre esse dogma o médico elaborara toda uma teoria do caráter, que considerava mais certeira do que a astrologia. Mas com as lições dos anos, Florentino Ariza a formulou de outro modo: "O mundo está dividido entre os que trepam e os que não trepam." Desconfiava dos últimos: quando saíam dos trilhos, era para eles tão insólito que alardeavam o amor como se tivessem acabado de inventá-lo. Os que o faziam amiúde, em compensação, viviam só para isso. Sentiam-se tão bem que se comportavam como sepulcros lacrados, por saberem que da discrição dependia sua vida. Nunca falavam de suas proezas, não confiavam em ninguém, bancavam os distraídos até o ponto de ganharem fama de impotentes, de frígidos, e sobretudo de maricas tímidos, como era o caso de Florentino Ariza. Mas se compraziam no equívoco, porque o equívoco também os protegia. Eram uma loja maçônica hermética, cujos sócios se reconheciam entre si no mundo inteiro, sem necessidade de um idioma em comum. Daí o fato de Florentino Ariza não se surpreender com a resposta da moça: era um dos seus, e portanto sabia que ele sabia que ela sabia."
imagem 1 e texto . El amor en los tiempos del cólera, de Gabriel García Márquez
imagem 2 . Love in the time of the Cholera, de Michael Newell, EUA, 2007

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20.4.09

Ensaio sobre a cegueira

"ver, ver, ainda que não fosse mais que umas vagas sombras, estar diante de um espelho, olhar uma mancha escura difusa e poder dizer, Ali está a minha cara, o que tiver luz não me pertence." "seria só uma fadiga infinita, uma vontade de enrolar-se sosbre si mesma, os olhos, ah, sobretudo os olhos virados para dentro, mais, mais, mais, até poderem alcançar e observar o interior do próprio cérebro, ali, onde a diferença entre o ver e o não ver é invisível à simples vista." "Este é o retrato do meu corpo, pensou, este é o retrato do corpo de quantas aqui vamos, entre estes insultos e as nossas dores não há mais do que uma diferença, nós, por enquanto, ainda estamos vivas." imagem . Blindness, de Fernando Meirelles, Brasil, Canadá, Japão, 2008 (clique na imagem para ampliá-la) texto . Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago mais Saramago em : www.caderno.josesaramago.org mais Blindness em : www.ensaiosobreacegueirafilme.com.br

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18.4.09

Um copo de cólera

"era preciso começar por enxergar a própria pata, o corpo antes da roupa, uma sentida descoberta precedendo a comunhão, e se quisesse teria motivos de sobra pra pegar no seu pezinho, não que eu fosse ingênuo a ponto de lhe exigir coerência, não esperava isso dela, nem arrotava nunca isso de mim, tolos e safados é que apregoam servir a um único senhor, afinal, bestas paridas de um mesmíssimo ventre imundo, éramos todos portadores das mais escrotas contradições, mas, fosse o caso de alguém se exibir só como pudico, que admitisse nessa exibição, e logo de partida, a sua falta de pudor, a verdade é que me enchiam o saco essas disputas entre filhos arrependidos da pequena burguesia, competindo ingenuamente em generosidade com a maciez de suas botas, extraindo deste corte uns fumos de virtude libertária, desta purga ela gostava tanto quanto se purgava ao desancar a classe média, essa classe quase sempre renegada, hesitando talvez por isso entre lançar-se às alturas do gavião, ou palmilhar o chão com a simplicidade das sandálias."
texto . Um copo de cólera, de Raduan Nassar
imagem . Um copo de cólera, de Aluízio Abranches, Brazil, 1999

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14.4.09

A Dama das Camélias

"Somos criaturas do acaso, temos desejos extravagantes e amores inconcebíveis. Nós nos damos ora por uma coisa, ora por outra. Há pessoas que se arruinariam sem obter nada de nós, há outras que nos possuem com um buquê de flores. Nosso coração tem caprichos; é sua única distração e sua única desculpa."
texto . La Dame Aux Camélias, de Alexandre Dumas Filho
imagem . Greta Garbo e Robert Taylor em Camille, de George Cukor, EUA, 1937

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