"Santas as visões, santas as alucinações, santos os milagres, santo o globo ocular, santo o abismo." (Allen Ginsberg)

18.4.09

Um copo de cólera

"era preciso começar por enxergar a própria pata, o corpo antes da roupa, uma sentida descoberta precedendo a comunhão, e se quisesse teria motivos de sobra pra pegar no seu pezinho, não que eu fosse ingênuo a ponto de lhe exigir coerência, não esperava isso dela, nem arrotava nunca isso de mim, tolos e safados é que apregoam servir a um único senhor, afinal, bestas paridas de um mesmíssimo ventre imundo, éramos todos portadores das mais escrotas contradições, mas, fosse o caso de alguém se exibir só como pudico, que admitisse nessa exibição, e logo de partida, a sua falta de pudor, a verdade é que me enchiam o saco essas disputas entre filhos arrependidos da pequena burguesia, competindo ingenuamente em generosidade com a maciez de suas botas, extraindo deste corte uns fumos de virtude libertária, desta purga ela gostava tanto quanto se purgava ao desancar a classe média, essa classe quase sempre renegada, hesitando talvez por isso entre lançar-se às alturas do gavião, ou palmilhar o chão com a simplicidade das sandálias."
texto . Um copo de cólera, de Raduan Nassar
imagem . Um copo de cólera, de Aluízio Abranches, Brazil, 1999

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