7.6.20
10.9.18
22.9.16
29.7.16
28.7.16
9.6.16
Crueldade Mortal
Todo bêbado canta e seus males espantalhos vão saindo, um a um. Todo bêbado é fantoche, é palhaço de uma sociedade sóbria que o lincha diariamente olhando-o de soslaio, querendo moralizá-lo. Ah! O linchamento moral da sociedade que não sabe o que é ter uma ressaca de verdade, que só bebe uma cervejinha na sexta depois do trampo. O linchamento moral desta sociedade é o que me embrulha o estômago.
texto . Matheus Matheus com citação de Silvia Machete
imagem . Crueldade Mortal, de Luiz Paulino dos Santos, Brazil, 1976
19.3.16
20.12.15
Vidas ao Vento
"O vento está aumentando. Temos que tentar sobreviver".
"O amor nos aquece, nos ilumina, nos alimenta e nos entorpece".
Muito raro, é claro, o amor terremotor. Tão idealizado e desejado que é quase impossível não fabricá-lo tão logo surja uma oportunidade, exclamando: isto é meu amor eterno! Ainda que não se tenha tanta certeza. É amor! E vai ser de qualquer jeito. Mesmo que não for. De tanto que se deseja. Por isto, também, deve ser experimentado em doses cavalares quando surge espontâneo. Às vezes surge, é verdade. Como saber? Vício é saúde quando dá prazer. Saúde sim, ainda que debilitada. Desfruta... O prazo é curto, bem sabes que tudo acaba.
Ser exigente é ser mau? Não necessariamente. Se for para atingir um objetivo... Um alvo... O que é mais importante: coisas ou pessoas? A resposta parece óbvia, não? Um objetivo é uma coisa. Pessoas são pessoas, não alvos.
Viver é calcular, persistir, errar, cancelar, resistir, modificar, acertar. Acertar? Não, talvez a vida não seja nada disto e não possa ser resumida. Vai ver é um contínuo desmanche para que haja reconstrução. Sem dúvida, viver também é morrer: vento lento e agradável, que refresca e se demora, ou vento voraz, feroz e fugaz, que tudo desarruma e logo vai embora.
imagem . Kaze Tachini, de Hayao Miyazaki, Japão, 2013
texto . Matheus Matheus,
com alusões ao filme que dá título ao texto, à Orlanda Travesta em O Zero Não é Vazio, de Marcelo Masagão, e ao Louis de Phillippe Garrel em O Ciúme.
9.11.15
A Estrada
Cá estou eu, mais uma vez me expondo para quem quiser conferir. Ferido de vida num campo de batalha vão, como é vão todo campo de batalha. O tanto que apanhei me ensinou a não errar, mesmo não simpatizando com o acerto. Eu, clown. Uns anos mais velho, mal disfarçados pela pesada maquilagem.
Subversivo? Respondam-me vocês. Menos óbvio, um pouco inerte. Felino até. Subjetivo, sem sombra de dúvidas. Deslocado. Tresloucado. Sem paciência para fazer a social. Seja breve. Sem filtro. Sem lente. Sem classificação indicativa. E, ainda assim, com olhos frescos, ainda que fatigados pelo muito que contemplaram até aqui.
Texto . Matheus Matheus
Imagem . La Strada, de Federico Fellini, Itália, 1954
2.11.15
Eu Sou O Senhor do Castelo
Se as coisas não estiverem andando da forma como você planejou, simule um desmaio. Até o pior passar, não se mova para não ser descoberto. Tá calor demais, não comi direito hoje, os mosquitos me incomodam, já andamos muito, estou com sede, temos pouca água, estou cansado, devíamos ter voltado daquele ponto em que ainda sabíamos como retornar - frases que sempre funcionam ao preceder o ápice da cena.
Viver é atuar. E atuar, vezenquando, significa não ter fala nem gesto - fingir-se de morto. Vezenquando o silêncio, a ausência, dizem muito, dizem mais que grito. E, se não dizem, é porque não há nada mesmo ainda a ser dito.
Quando "acordar", 'cê vai ver: tudo estará melhor, quase resolvido.
texto . Matheus Matheus
imagem . Je suis le Seigneur du Château, de Régis Wargnier, França, 1989
21.7.15
Violeta Foi Para o Céu
Prefiro comer a mesma sopa rala que sustém o povo do que me fartar nestes banquetes regados à negociações escusas que me dão ânsia de vômito. Soy passional e rebelde. Querer mudar o mundo enlouquece. Sacudo os tapetes para afastar a poeira que tantos insistem em esconder para debaixo destes. Não faço concessões. Silêncio! Silêncio! Estou me apresentando e peço atenção. Aprumem os ouvidos. Quem não estiver aqui para escutar a minha música, tem liberdade para se retirar. Lutar, lutar, lutar. Resgatar o que está quase esquecido. Tem que ser interpretado por voz sofrida, não por mente acadêmica. Amar demais. Amar demais? Quando é demais? Me identifico. O que tenho é minha voz - o meu canto e meu olhar sérios.
texto . Matheus Matheus
imagem . Violeta se Fue a los Cielos, de Andrés Wood, Chile, 2011
23.5.15
Florbela
EGOíSMO
[pensando em Florbela Espanca]
A dor alheia, a felicidade alheia, parecem a mim fingimento, visto que não são as que sinto dentro em mim. Minha tristeza, minha alegria, só elas, sóis, me são cais. Só eu me sei. Dos outros, sei do que me contam, do que me parecem e do que suponho que advinho. A eles, decerto, assim também pareço. Estas cousas que tenho escrito se parecem comigo? Eu, por dentro da minha cabeca, me pareço com minha aparência física? A capa do meu livro traduz o seu interior? Teria, necessariamente, que traduzir? A mim, a minha dor me basta, bem como a minha alegria escassa. Também o meu medo que, vez por outra, faz ronda em redor de minha casa e a incerteza de um futuro próspero, visita inesperada que a mim devora e arrasa.
texto . Matheus Matheus
imagem . Florbela, de Vicente Alves de Ó, Portugal, 2012
7.5.15
Kagemusha
- Mais de um milhão de soldados me combatiam. - Eu lhe respondi.
Podia ter dito:
- Foi só um pesadelo.
Mas é que foi maior o medo de contar a ele que, na realidade do sonho, eu tinha sido abandonado pelo corpo do qual eu era a sombra e ficado sozinho, desolado, em meio a um cenário grandioso, composto por cores extremamente vivas e assustadoras.
Sim. O medo é sempre maior.
Kurosawa filmava seus sonhos. Assistindo-os, a gente sonha juntinho com ele.
texto . Matheus Matheus sobre Kagemusha, de Akira Kurosawa, Japão, 1980
4.1.15
As Horas
Há vidas que duram apenas horas. Há horas que valem por vidas. Dentro delas certos minutos que ecoarão por outras horas e outras vidas.
Quem vai pagar por isto? O poeta assimétrico. O visionário no estertor da insanidade. O profeta que ninguém ouve. O mártir com sangue nas veias.
Todo mundo vai ter que sangrar? Pelo peito inflado, soldado baleado. Entre as pernas, dona-de-casa inundada. No leito, enfermo. Pelo nariz, púbere.
E sempre a mesma água a alimentar flores de várias épocas e cores, em vários vasos adversos. Sempre a mesma água entremeando as vidas e a morte das coisas e das pessoas.
texto . Matheus Matheus
Imagem . The Hours, de Stephen Daldry
19.4.14
Vendo Escutando
Para Eduardo Coutinho
A quem quiser falar à beça: aprender a escutar me interessa. Muito tenho falado ultimamente. Quase tanto quanto tenho sido interrompido. “Tenho tido” a sensação de não “estar sendo” escutado. O que eu digo não interessa? Então tá? Falo através da boca de outrem. Eu prefiro ouvir até, gosto de contemplar. Com minha retina gosto de filmar gestos, gostos, lábias de lábios – cotidiano? Só é rotina pra quem a vive dia após noite após dia. Para quem chega de surpresa, sempre é ovo retinto prestes a se partir e revelar filhote melado de vida ou de morte. Não precisa falar alto, tem microfone. Acho que ainda não estou tão surdo apesar da idade. A gente vai editar – mas fica mais interessante se esta parte entrar. Fala, pode falar sobre o que você quiser. A gente edita – mentira! A gente te escuta.
texto . Matheus Matheus
9.3.14
20.2.14
Adeus, Lênin
Eu quero beber coca-cola. Eu preciso beber coca-cola. Eu vou beber coca-cola. Para desintupir o pó dos "meus dias acumulados" que me arranha a garganta.[Entrou pela minha janela e arranhou meus discos - mas eu não ligo, é só não ouví-los mais para não me chatear]. Mas um dia eu vou sair. Eu vou sair. Eu vou sair quando eu for capaz de andar ao lado de um inocente recente - ele me ensina, ele me guia - mesmo sendo pequeno. É como se eu também estivesse começando/recomeçando a aprender a andar. Eu vou sair. Eu vou sair. Eu vou sair enquanto o culpado-mor estiver roncando. Eu vou sair e ver outdoors. Perceber que o que eu tanto cultuei durante tanto tempo agora caiu, agora minguou, agora broxou. Dizer adeus a esta imagem falida. Imóvel - mas em movimento por estar no ar. Adeus : cara a cara : adeus. Ídolos? Bandeiras? Partidos? Logomarcas? Hinos? Mentira - tudo uma grande farsa! Fabricado de um lado, fabricado de outro. E, ops, um e outro que estiver vulnerável vai adotar vai absorver vai comprar a idéia. E quem não quiser absorver nada desta merda de ca... dessa merda de so... É anarquista ou é burro? Um sonhador... Mil sonhadores... Igualdade não é liberdade! Cultura não é educação nem inteligência. Mas estão (inter)ligadas. Amor sufoca, amor estreita, amor ilude. Amor por alguma pessoa ou amor por alguma causa. O mundo é para ser sem fronteiras - o sangue que corre em nossas veias é vermelho, como o livro vermelho, como a logo da coca-cola.
texto . matheus matheus
imagem . Good Bye, Lênin, de Wolfgang Becker, Alemanha, 2002